Depois de estrear em 2016 com indicações e vitórias em algumas das principais premiações do país, o espetáculo Gritos finalmente desembarca em BH, para ficar em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) até 12 de junho. Produzida pela companhia franco-brasileira Dos à Deux, a peça tem o amor como tema central, desenvolvido em contextos em que ele encontra seus piores antagonismos.
A montagem, concebida, dirigida e estrelada pela dupla Artur Luanda e André Curti, é dividida em três atos. O primeiro, Grito 1, mostra Louise, uma mulher que nasceu no corpo de um homem e enfrenta todo tipo de hostilidade das pessoas a seu redor, a começar pela própria mãe. Grito 2 é definido como um poema metafísico sobre um homem que perdeu a cabeça, enquanto a última parte conta sobre uma mulher muçulmana que se apaixona em meio ao cenário de devastação e violência da guerra no Oriente Médio.
Para apresentar as histórias, a dupla de artistas conta com a presença fundamental de bonecos em proporção humana. “Os bonecos fazem parte de um todo nos nossos trabalhos, mesclamos nossos corpos com pedaços de boneco, é um universo bem bizarro, onírico e inquietante, um universo estilizado”, define o diretor Artur Luanda. O cenário ainda apresenta outros objetos e dinâmicas de iluminação na composição das cenas.
Luanda explica que a disposição dos bonecos é pensada de acordo com o enredo de cada ato. A presença meio abstrata de fragmentos de um corpo em Grito 1, por exemplo, representa o questionamento da personagem sobre o próprio corpo. “Queremos falar do corpo que o habita e do corpo que ele porta, da dualidade entre feminino e masculino, de estar no corpo errado em relação a como eu me vejo. Aí vem a questão da transfobia, a própria mãe, representada apenas por uma cabeça solta em uma cadeira, dialoga com a falta do amor e a fraqueza disso”, explica.
Divididos entre a França, onde se conheceram há 20 anos, e o Brasil, os dois diretores absorveram tensões sociais e políticas das duas nações para criar a obra. As guerras no Oriente Médio, que, de várias formas, se relacionam com o país europeu, alvo de ataques do grupo radical Estado Islâmico e que tem sido destino de vários refugiados, faz parte da peça. “É o grito de uma mulher muçulmana, ameaçada sob seu véu pela violência e pela islamofobia”, diz o diretor sobre o terceiro ato da peça. “Por estar na França, estamos mais próximos desses horrores que têm ocorrido e ficam a cada dia mais aterrorizantes”, argumenta Luanda.
O conturbado cenário político brasileiro dos últimos anos, que resultou em crescentes movimentos e comportamentos ligados ao ódio, também é explorado no espetáculo. “O Grito 2 foi muito forte para nós. É um elo entre os três, é o homem no centro de tudo, numa reflexão contemporânea do que nos levou a essa ausência total de afeto que fez surgir esse ódio superficial e intenso, enrustido nos pequenos gestos. Para isso, a gente trabalhou sob a metáfora de que o homem perdeu a cabeça. Só assim entendemos essa perda de afeto total”, resume Artur.
Apesar da proposta diversa e até complexa, o autor garante que o entendimento por parte do público é positivo e que, por isso, a peça tem feito sucesso, reconhecido com a vitória em diferentes categorias nos prêmios Shell e Cesgranrio de teatro. “Recebemos um olhar caloroso e forte do público porque falamos de coisas calorosas e fortes. A estética e o teatro têm o poder de transformar questões sobre uma outra ótica e são temáticas urgentes, latentes. Nós trazemos a pesquisa e o rigor teórico no enredo, mas são sempre espetáculos diretos, que tocam o público de maneira bem popular, num bom sentido da palavra. Temos uma abertura para cada um construir a sua história com sua própria vivência, não tem nada determinado, são muitas portas abertas para a interpretação” afirma Luanda.
GRITOS
Até 12 de junho, sessões de sexta a segunda, às 20h.
No Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia), à venda pelo site www.eventim.com.br
Via: uai.com.br / Por: Pedro Galvão
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